terça-feira, 21 de agosto de 2012

E se o Negão quiser ser candidato a presidente?


O Presidente Negro é um livro de ficção de Monteiro Lobato, de 1926, cuja trama se passa nos Estados Unidos, no ano 2028. Lobato cogitou tal possibilidade para os Estados Unidos em um futuro remoto, jamais para o Brasil. Já temos um possível nome, ainda que remoto. Com o julgamento do mensalão, o ministro Joaquim Barbosa chama mais uma vez a atenção para sua figura impar. É “O Negão”, personalidade que, segundo o imaginário popular, veio debaixo, do povão, chegou lá pela competência e hoje enfrenta com imensa coragem as elites políticas corruptas.
Detalhe pouco lembrado: ele será presidente do Supremo (por antiguidade) em novembro de 2012, assim que terminar o julgamento do mensalão. Tem planos para enfrentar seus próprios pares a fim de mexer com as estruturas viciadas do Judiciário. Se der certo, pode vir a consolidar sua imagem popular. E depois disso? Qual o futuro que o Destino lhe reserva?

Toda história deve ter início, meio e fim. E, nesse caso, o preâmbulo nos remete ao remoto ano de 2006, quando Joaquim Barbosa pegou a missão de relatar o processo do mensalão. Naquela ocasião, Lula estava em frangalhos políticos, cogitava até mesmo não ser candidato à reeleição. Seu principal adversário era o Geraldo Alckmin, que jamais encantou. Vários partidos buscavam candidatos, como o PSol, que acabou disputando com Heloísa Helena, e o PSB, que lançou Ciro Gomes. Poucos acreditavam que Lula ressuscitaria das cinzas e ainda teria músculos para eleger uma técnica desconhecida e sem carisma como sucessora.

Sem ter nada a ver com a política, Joaquim acenou que seria duro com os réus do mensalão em seu futuro relatório. Fez simplesmente isso. Mas bastou um mero aceno para começar a construir uma imagem pública no imaginário popular, auxiliado por dezenas de reportagens que relatavam sua infância pobre em Paracatu, o filho de um mecânico de automóveis que passou no difícil vestibular em Direito da Universidade de Brasília, conquistou por concurso vaga de Procurador da República, depois PhD por Sorbonne, professor de Direito na Califórnia, jovem desembargador do Ministério Público Federal, até chegar ao Supremo.

Enfim, alguém que chegou lá por seus próprios méritos, e não somente por conta da política de cotas raciais iniciada no governo Lula.

Resultado: Joaquim começou a usufruir de inesperada popularidade. Era aplaudido de pé nos restaurantes que porventura entrasse –presenciei uma cena dessas em uma pizzaria no bairro da Asa Sul e li sobre muitas outras. Era cumprimentado por populares nos shoppings de Brasília e pelas ruas Rio de Janeiro, onde mantém apartamento no bairro do Flamengo, com belíssima vista para a Bahia da Guanabara, comprado em suaves prestações quando ainda era procurador de primeira instância.

Certo dia foi a São Paulo e teve que caminhar por alguns quarteirões. Foi-lhe muito difícil, tamanho o assédio de populares que queria abraçá-lo.

Ganhou então o apelido popular e carinhoso de “Negão do Supremo”, ou simplesmente “O Negão”. Ninguém se importava muito de lembrar de seu nome, nem de seu cargo exato. E ainda não se importa. Mas criou-se no imaginário social a ideia de que no Brasil existia um “Negão” que veio debaixo, gente como a gente, hoje juiz muito poderoso e corajoso, sem papas-na-língua, e que iria dar jeito na pouca-vergonha desses políticos.

Foi nesse cenário de época que Joaquim chegou a ser sondado por partidos políticos para uma eventual candidatura à Presidência da República. Foi até mesmo fortemente assediado pelo PMDB de Michel Temer. Declinou dos convites, como é sabido.

Mas ainda no calor daquelas circunstâncias, Joaquim Barbosa chegou a revelar parte de seus planos a um amigo de confiança. Primeiro teria que se dedicar muito ao processo do mensalão, que demandaria todo seu tempo pelos anos subsequentes. Teria que fazer um bom trabalho nesse processo. E vencer. Estamos nesse momento na linha do tempo.

Em 2012, explicou ele ao amigo lá naquele remoto 2006, chegaria sua hora de ser presidente do Supremo. Ao término do seu mandato, talvez não tivesse muito sentido para seu coração voltar a ser um ministro comum –ainda que ser um dos 11 ministros da Supremo Corte jamais venha algo banal. Mas apenas estudar processos e escrever votos talvez não lhe fosse mais estimulante. Ai, então, seria possível que viesse a cogitar novos desafios. O final de seu mandato na presidência do Supremo coincide com a próxima eleição presidencial.

Obviamente precisará fazer mandato diferenciado na Presidência do Supremo para efetivar aquilo que o imaginário popular espera dele. Tudo indica que Joaquim terá um futuro repleto de adversidades, mas também com uma visibilidade que nenhum de seus antecessores usufruiu.

Ele já confidenciou a amigos que pretende mexer com algumas estruturas viciadas do judiciário. Um dos esquemas (expressão deste escriba, ressalte-se) que muito o incomoda é a prática de dezenas de advogados, filhos de magistrados de tribunais superiores, pegarem causas justamente nas cortes onde seus papais são ministros. Ou o revezamento que poucos advogados especializados em Direito Eleitoral, amigos de convescote de ministros do Supremo, serem indicados para ministros (temporários) do Tribunal Superior Eleitoral, o TSE.

Joaquim tem algumas características da personalidade (forte) que lhe ajudam, outras que atrapalham. Seus amigos convergem na assertiva sobre sua integridade moral rara. Chega a ser um jacobino. É um estoico, com hábitos pessoais ascéticos, próximos aos de um eremita. Os amigos também convergem sobre sua imensa coragem pessoal e disposição de enfrentar poderosos.

Mas falta a Joaquim a capacidade de boa convivência entre seus pares (e decerto entre políticos), aquilo que hoje se chama de inteligência emocional. Ele entrou no julgamento do mensalão está rompido (ou com rusgas) com mais da metade de seus pares de Corte. Em poucos dias, conseguiu criar arestas com quase todos. Imaginem o que poderá ocorrer quando vier a mexer com as tais estruturas viciadas do judiciário? Decerto sofrerá boicotes de muitos e apoio de poucos. Ademais, por conta de sua personalidade por demais independente, será difícil que algum grande partido político lhe confie a legenda. Mas decerto sobrarão legendas para circundá-lo.

O assédio político que o “Negão do Supremo” sofreu há seis anos pode não significar coisa alguma de relevante na eleição presidencial de 2014, quando desde já Dilma Roussef desponta como franca favorita. Entretanto, invocando a célebre frase de Magalhães Pinto –política é como nuvens, a cada momento em que olhamos para o céu elas estão diferentes.

Assim, neste momento em que os olhos do eleitorado se voltam para o processo do mensalão, no qual Joaquim é sem dúvida a grande estrela, torna-se prudente aos que gostam de prospecções incluí-lo entre os vetores que despontam horizonte.

Texto: Hugo Studart
Fonte: afropress.com

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

QUILOMBO E MATRIARCADO - RAINHA NGOLA NA REGIÃO AMAZÔNICA

Os estudos sobre o matriarcado deveriam pautar a historiografia brasileira, mas o poder patriarcal e androcêntrico nos estudos acadêmicos cerceam e omitem o matriarcalismo nas reconstruções de sociedades africanas no Brasil.

Quando falamos em quilombo, mocambo, cafundó, terra de preto e outras designações pelos quais os estudiosos adjetivam a resistência dos escravizados através da fuga e da formação de aldeamentos, é deveras importante entender a questão de poder e as relações sociais capazes de permitir por séculos que estas experiências se tornassem viáveis até os dias atuais.

O matriarcado esteve presente em todas as migrações voluntárias dos africanos pelo planeta. Trazida com os prisioneiros (as) das guerras travadas em Mãe áfrica (sociedades matriarcais) pelos cristãos europeus (sociedades patriarcais), esse modelo de organização será o tema que discutiremos em breve.

Os bantus (“humanos”, na linguagem do Congo) que falam cerca de quatrocentos idiomas e habitam do oeste para leste o Gabão, Camarões e norte ao sul do Sudão até a Namíbia. Os vários grupos étnicos Bantus dominaram a metalurgia do ouro e do ferro, usando este último, produziram machados, espadas, enxadas e enxós. Além disso, as habitações têm uma arquitetura particular de cabanas circulares ou aldeias chamadas de Msonge. Tais avanços permitiram a colonização de seus territórios ao longo de um período de cerca de quatro mil anos. Muitos grupos étnicos bantus foram sequestrados para as Américas e trouxeram consigo as suas experiências matriarcais.

No seu último livro, que não viu impresso, Décio Freitas visitou uma das menos conhecidas revoltas populares da história brasileira, o movimento que nos livros escolares aprendemos com o nome de Cabanagem. Dizendo em palavras vagas, foi uma insurreição ocorrida principalmente em Belém, entre 1835 e 1840, e reprimida sangrentamente – teriam morrido no total umas 30 mil pessoas, cerca de 25% da população do Pará na época. Foi designada com esse nome por motivos triviais: é que de fato a maior parte dos envolvidos vivia em cabanas pobres, em malocas improvisadas, numa vida miserável que foi, sem dúvida, o combustível da revolta.
No livro A Miserável Revolução das Classes Infames, Freitas relata sobre a existência de um quilombo matriarcal na floresta amazônica, liderado pela rainha NGola e outras guerreiras, informação obtida após a tradução de cartas de Jean-Jacques Berthier, um francês que aos 14 anos de idade teve que fugir da França para Guiana Francesa após ser assediado por um pedófilo que o condenou na Revolução francesa.

Fugindo das batalhas que assolaram o país depois da independência, ele foi parar num desses mocambos matriarcais – justamente o da rainha Ngola – e viveu lá entre 1824 e 1828. Sua carta enviada ao irmão Guillaume, em Nantes, na França, foi pesquisada pelo historiador Décio Freitas para o livro A Miserável Revolução das Classes Infames e mostra com riqueza de detalhes como era a vida nesse pedaço da África em plena floresta amazônica.

Berthier informa que eram quatro quilombos adjacentes com 300 moradores em cada um deles e um principal com uma média de 700 moradores, sendo um total de 1900 habitantes. Assevera de que o quilombo principal já tinha cinquenta anos de existência e a rainha que governava já era a terceira Ngola. Um detalhe chama a atenção da descrição da rainha. ela estava em uma cadeira de espaldar alto colocada em uma plataforma, via-se na altura do espaldar uma serpente de ouro encastoada.

No decorrer do relato sobre os mocambos o poder da rainha é demonstrado com castigos impostos aos homens que só podia conversar com ela prostados de joelhos, e quando falavam algo não consensual eram castigados com até três bastonadas na cabeça. Berthier ao ser recebido para solicitar asilo não se prostou sendo imediatamente castigado, e aprendeu a lição de respeito ao matriarcado, recebendo também uma bastonada e prostou-se. Asilo aceito e algumas condições foram expostos:

- Poderia viver na comunidade como irmão, mas, não era permitido relações sexuais com as mulheres pretas, nem se pagasse o dote. O motivo apresentado pela rainha era porque as mulheres eram poucas e necessárias para a reprodução da raça preta sem mistura de sangue branco ou indígena. Mas, poderia casar com uma mulher nativa e tornaria capitão das milícias nas lutas contra os brancos que não permitiam a liberdade dos pretos e eram pérfidos. 

Interessante são os relatos do francês sobre o poder matriarcal que o deixou embasbacado

A RELAÇÃO CONJUGAL POLIANDRICA

As mulheres escolhiam os companheiros e eles passavam pelo teste da convivência por alguns meses, só assim ela analisava se ele era satisfatório. Se por acaso fosse aprovado tinha que pagar um dote requisitado pela noiva e ela declarava a todos da aldeia que ele era a partir daquele momento o seu marido. As mulheres podiam ter até cinco maridos, robustos e ágeis, escolhendo qual deles ela manteria relações sexuais e os mandava embora no momento que assim entendessem. Os maridos moravam em suas próprias cabanas e elas escolhiam entre eles um que era o responsável de supervisionar a família que poderia ter 20 filhos, este “privilegiado” morava em sua cabana. Outra atribuição masculina era carregar a esposa nas costas, quando ela não queria andar a pé.

Em Moçambique, existem ainda sociedades matriarcais e poliandricas, onde as mulheres têm voz mais ativa e poder. Estas sociedades remanescentes encontram-se no norte de Moçambique. Um amigo relatou que encontrou uma mulher que teve um marido, filhos e depois o deixou, e ela encontrou outro e outro e voltou a relacionar-se com o primeiro e tem um outro que vive em casa. Eles se coordenam e visitam aquela mulher sem conflitos com o atual, aquele que vive em casa é o atual marido, enquanto os outros são SOBRESSALENTES, como elas chamam.

ECONOMIA

A economia da comunidade baseava-se no trabalho masculino na agricultura, caça, pesca, tecelagem, olaria, serralheria, extrativismo e mineração de ouro vigiados por guerreiros da rainha. O ouro era utilizado para confecção de joias para a rainha e o restante para conseguir armas. Realizavam também trocas de gêneros com holandeses da Guiana. também vendiam tabaco e mandioca para as populações ribeirinhas e praticavam a pirataria: os soldados de Ngola atacavam canoas em rios distantes, roubando os viajantes – ou então saqueavam povoações de brancos.

FORÇA DE DEFESAEra composta de guerreiros de cabeça raspada e não trabalhavam para a suas esposas e tinham o privilegio de obedecer somente à rainha Ngola. Constantemente realizavam ataques de guerrilhas a povoações dos brancos para o saque.

RELIGIÃOMantinham as práticas das religiões ancestrais e conforme relato do Frances:

"Reverenciam ídolos com feições de homens, mulheres e feras, aos quais periodicamente fazem sacrifícios. Qualquer celebração religiosa deve ser autorizada pelo feiticeiro, que é também o curandeiro em suas doenças." 


Notamos um desconhecimento completo da metafísica religiosa bantu por Berthier, embasado de preconceitos cristãos sobre o que não entendia.

LAZER
Dança e música usando os instrumentos “pungo” e marimba. O missivista demonstra perplexidade com as mulheres que passavam o tempo sentadas no chão conversando, cantando e fumando tabaco.

O machismo de Berthier não entendia o matriarcalismoe na sua visão androcentrica as mulheres deveriam servir aos homens.

EDUCAÇÃOA oralidade através de contadores de histórias.

Relata Freitas: "É uma pena que Berthier não se alongue mais na narrativa sobre a sua experiência no mocambo. Seria nada menos que sensacional se desse mais informações sobre aquela sociedade poliândrica, semelhante à de Palmares e às de algumas regiões da África. Mas não indica sequer aproximadamente a localização geográfica do mocambo, embora certas referências permitam supor uma região para os lados da Guiana Francesa.
O laconismo talvez se deva ao fato de ter jurado, com sangue, perante a rainha Ngola, guardar rigoroso segredo sobre o mocambo."


Concluo este artigo citando um provérbio que com certeza se aplicou a Berthier:

"O olho nunca se esquece do que o coração vê."
Provérbio bantu.


Fonte: http://cnncba.blogspot.com.br

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Mais polêmica! Cotas Raciais nos partidos ainda sofrem resistência

Mesmo no Partido dos Trabalhadores (PT), que é considerado o mais avançado no trato do tema das cotas para negros, tendo discutido o assunto no seu último Congresso realizado no ano passado, o assunto ainda provoca desconforto.

Segundo o ex-Secretário Estadual de Combate ao Racismo do PT, em S. Paulo, Cláudio Silva, Claudinho, as cotas aprovadas no Congresso só valem para a disputa de cargos na direção partidária. “Ainda não temos cotas nas eleições de ano para vereador”, afirma.

Até mesmo a paridade para mulheres, aprovada pelo Partido (50%) só passa a valer a partir das eleições de 2014.

No PC do B, que também integra a base governista, o coordenador geral da corrente negra do Partido – a UNEGRO – historiador Edson França, admitiu que o tema não entrou na pauta para a escolha dos candidatos nas eleições deste ano.

Oposição

Se os partidos governistas – PT, PC do B, PSB e PMDB – ignoram as cotas, na oposição – PSDB – a situação não é diferente. Cotas para candidatos, admitem as lideranças negras tucanas, permanece tema fora da agenda.

Também em Partidos de Oposição, auto-proclamados de esquerda como o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o silêncio é a tônica, quando se trata de cotas para negros. 

Segundo Joselício Júnior, Juninho, Juninho, da coordenação do Círculo Palmarino, e do setorial de negros do PSOL, o Partido “não tem nenhuma definição ainda sobre o tema”. “A única cota no Partido é de mulheres que é de 30%, em todas as instâncias. Em 2014, a proposta é que seja de 50%”, afirma.

Juninho atribui a ausência de cotas para negros no PSOL “primeiro a dificuldade do próprio setor de negros e negras se articular dentro do Partido”. “Nós ainda não provocamos esse debate, por isso que não saiu ainda. O que o partido tem valorizado são os setoriais; é um partido recente que ainda está em fase de estruturação. Tem a Revista Negra e o debate está avançando dentro do Partido”, acrescenta.

Ele acredita que as cotas só acontecerão quando forem instituídas em Lei como no caso das mulheres, mas reconhece que as próprias legendas poderiam tomar a iniciativa por meio de suas instâncias internas