quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

O luxo e a pobreza no desfile da Beija-Flor


Todos nós afro-macapaenses ficamos bastante ansiosos com o desfile da Beija-Flor de Nilópolis, pois com a homenagem cujo enredo Macapaba: Equinócio Solar - Viagem Fantástica ao Meio do Mundo iria evidenciar Macapá para o Brasil inteiro e o exterior.

A expectativa era grande. Telões distribuídos em vários pontos da cidade faziam a população ir para a rua para assistir ao desfile. Chega o momento tão esperado e tamanha foi nossa frustração ao ver que a presença da comunidade negra de Macapá foi omitida em plena passarela do samba. Em meio à riqueza dos detalhes das alegorias e do luxo das fantasias eu vi e percebi a invisibilidade da maioria da população da capital do estado do Amapá na Sapucaí.

De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano – Brasil 2005 – Racismo, Pobreza e Violência do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a população do Amapá é composta de 76,6% de negros e mestiços e a maioria deste contingente populacional habita em Macapá. Mais que isso. A capital do estado do Amapá é caracterizada culturalmente pelo Marabaixo e Batuque – manifestações de origem africana.

Em Macapá existem mais de vinte comunidades quilombolas como Curiaú, Campina Grande, Maruanum, Conceição do Macacoari, Mel da Pedreira e Porto da Pedreira, esta originada a partir de um naufrágio de uma embarcação que trazia negros para carregarem pedras para a construção da Fortaleza de São José de Macapá, que por sinal, um dos motivos da presença africana na região foi para a construção do forte. Diga-se de passagem, que recentemente a Fortaleza foi eleita, em pesquisa nacional, como a primeira maravilha do Brasil e, como observa meu parceiro Branco, na propaganda de governo divulgando o feito não se vê nenhuma menção ao sangue e suor derramados do nosso povo que construiu a fortificação.

Voltando ao desfile da Beija-Flor, percebemos que a cerâmica Maracá/Cunani muito bem representada na ala das baianas, porém a produção Maracá/Cunani não ocorre no município de Macapá. Por outro lado, não vimos, por exemplo, o enredo citar o artesanato das louceiras da comunidade do Maruanum, arte esta que demonstra a relação harmônica entre ser humano e natureza. Mas não é somente isso, a produção das louças do Maruanum revela uma ritualística essencialmente africana, iniciando na separação da argila e que culmina com a oferenda de uma louça à “Vó do barro”. Além disso, não podemos falar das características de Macapá sem citar o marabaixo do Laguinho e da Favela; o batuque de guerra do Curiaú; o Encontro dos Tambores; ou de personalidades como Mãe Luzia, Julião Ramos, Gertrudes e Sacaca.

Infelizmente a agremiação de Nilópolis optou por nortear seu enredo pela velha e tradicional visão de que a Amazônia é um universo extremamente distante do resto do país, habitada predominantemente por populações indígenas, marcada por florestas densas e animais selvagens, ratificando com isso o olhar impregnado de preconceito do restante do país em relação à presença negra na parte setentrional do Brasil.

0 comentários:

Postar um comentário