terça-feira, 13 de maio de 2008

Editorial: Lei Áurea - Igualdade Racial no Brasil só virá em cinco décadas



“A Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador, o senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembléia Geral decretou e Ela sancionou a Lei seguinte: Art. 1º – É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil. Art. 2º – Revogam-se as disposições em contrário”.

A Lei Áurea, maior marco da história da escravidão no país, completa hoje 120 anos sem ter, no entanto, muito que comemorar. O Movimento Negro no Brasil considera que a medida foi apenas uma conquista na área jurídica, mas não social: os negros – 45% da população atual do país – permaneceram marginalizados e até hoje lutam contra o preconceito.

O estudo “Desigualdade Racial no Brasil”, que deve ser divulgado no início da tarde de hoje pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), revela que nas atuais velocidade e intensidade de implantação de políticas públicas, a igualdade só virá daqui cinco décadas, ou seja, no aniversário de 170 anos da abolição da escravatura.

Enquanto uns vêem grandeza no documento que pôs fim à escravidão no Brasil, outros acreditam que a data apenas jogou os negros nas ruas, sem eira nem beira e sem qualquer condição econômica. Após a abolição, não houve qualquer política pública para integrar os ex-escravos à sociedade.

O Brasil assumiu responsabilidades internas para diminuir as diferenças sociais entre negros e brancos há algum tempo, entretanto, deixa a desejar quando se trata de promovê-las. Essa é a opinião do coordenador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade de Brasília (UnB), Nelson Inocêncio, que realça a dificuldade do diálogo interno no governo. “Toda política do governo para lograr êxito precisa ter um respaldo da maioria, o que eu percebo no governo Lula é que não parece ser um consenso”, destaca.

“A obra abolicionista não está completa”, concorda Edson Santos, ministro da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) da Presidência da República. “Nossos ancestrais negros, embora libertos da escravidão, não receberam da sociedade ou do Estado os instrumentos que lhe permitiriam a verdadeira emancipação”, completa.

Dos cerca de 15 milhões de analfabetos brasileiros, mais de 10 milhões são negros e pardos, segundo dados de 2006 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No ensino superior não é diferente: o percentual de estudantes brancos é 34% maior que o de jovens negros ou pardos na faculdade. Além disso, os salários são, em média, 40% maiores na mesma faixa de escolaridade, considerando os rendimentos-hora.

Ainda de acordo com o IBGE, no que se refere à distribuição entre os 10% mais pobres e o 1% mais rico do país os negros ou pardos correspondem a 73% entre os mais pobres e somente a 12% dos mais ricos. Por outro lado, os brancos representam 26,1% da população mais pobre, e quase 86% da classe mais favorecida.

Os negros detêm apenas 25,1% das vagas no quadro funcional das empresas, apesar de representarem 46,6% da população economicamente ativa e 44,7% da ocupada, segundo levantamento do Instituto Ethos e do Ibope Inteligência. A participação do negro se afunila mais nos cargos de chefia: 17,4% na supervisão e 17% na gerência e apenas 3,5% no quadro executivo.

A situação é mais alarmante se observada a participação da mulher. As negras representam 7,4% do quadro funcional, 5,7% da supervisão, 3,9% da gerência, e somente 0,26% do quadro executivo. De acordo com a pesquisa, de cerca de 1,5 mil diretores de empresas, apenas quatro são mulheres negras.

Baixa execução da Seppir

O fim da escravidão não resolveu a questão dos negros brasileiros na opinião do ministro Edson Santos. Ele cita como instrumento de combate ao racismo e conquista da igualdade racial à “SEPPIR, criada com a missão de coordenar as políticas públicas e ações afirmativas para a proteção dos direitos sociais de indivíduos em grupos raciais e étnicos, com ênfase na população negra”.

Entretanto, em 2007, apenas 53% dos R$ 36,6 milhões autorizados a Seppir foram aplicados em programas e ações da pasta. O total gasto, em valores atualizados, equivale a R$ 19,6 milhões da verba autorizada (veja tabela dos últimos cinco anos). Em 2006, a pasta utilizou um valor superior ao registrado em 2007, foram gastos 57% dos R$ 36,6 milhões autorizados, o que equivale a R$ 20,9 milhões.

Dando seqüência a série histórica, em 2005 estavam previstos em orçamento R$ 22,9 milhões para a secretaria, mas foram efetivamente gastos apenas R$ 16,1 milhões. Apesar dos recursos previstos em orçamento terem sido mais baixos em 2004, este foi o ano em que a secretaria melhor utilizou o orçamento, chegando a aplicar 73% dos R$ 20,9 milhões autorizados, ou seja, R$ 15,4 milhões.

A subsecretária de Políticas para Comunidades Tradicionais da Seppir, Gilvânia Silva,
ressalta que também não basta ter espaço no orçamento, é necessário que os estados e municípios tenham iniciativa de solicitar o benefício, e no caso dos ministérios, cobre implementação das ações. “A Seppir não tem o poder de intervir, apenas de tentar convencê-los a aplicar os recursos”, afirma a subsecretária, referindo-se as ações de responsabilidade de outros ministérios.

O negro na literatura

“A abolição não foi capaz de dar voz ao negro na literatura brasileira”, afirma o doutor em Teoria Literária pela Universidade de Brasília Amauri Rodrigues da Silva. O pesquisador analisou romances da época da abolição até a contemporaneidade e acredita que “a literatura ecoa o discurso da história e da antropologia” ao invés de exercer sua “determinação estética”, que é o contraponto e a pluralidade.

O estudo mostra que os personagens negros não possuem falas em primeira pessoa e são moldados de acordo com o que o narrador oferece ao leitor. Mesmo na literatura contemporânea (a partir de 1960) quando o negro aparece, o faz de forma inexpressiva e freqüentemente para tratar de mazelas. “Como se o negro fosse apenas isso”, enfatiza.

Antes da Lei Áurea, outras três leis que beneficiavam os escravos foram aprovadas. A primeira foi a Lei Eusébio de Queirós, de 1850, que determinou o fim do tráfico de escravos para o Brasil. A segunda foi a Lei do Ventre Livre, de 1871 quando foi determinado que os filhos das escravas nascidos a partir da aprovação da lei estavam libertos. Já em 1885, a Lei dos Sexagenários libertou os escravos com mais de 65 anos.

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