terça-feira, 14 de julho de 2009

AGOSTINHO NETO




ANTÔNIO AGOSTINHO NETO nasceu a 17 de Setembro de 1922, na aldeia de Kaxicane, região de Icolo e Bengo, a cerca de 60 km de Luanda. O pai era pastor e professor da igreja protestante e, tal como sua mãe, era igualmente professora. Após ter concluído o curso liceal em Luanda, Neto trabalhou nos serviços de saúde. Viria a tornar-se rapidamente uma figura proeminente do movimento cultural nacionalista que, durante os anos quarentas, conheceu uma fase de vigorosa expansão.Decidido a formar-se em Medicina, Neto pôs de lado parte dos seus magros proventos durante vários anos e, foi com essas economias que embarcou para Portugal em 1947 e se matriculou na Faculdade de Medicina de Coimbra. Não havia uma única instituição de ensino superior na Colónia. O estudante que pretendesse continuar os seus estudos via-se forçado a fazê-lo à custa de grande sacrifício e tinha de alcançar um notável status académico em condições de pobreza e descriminação racial extremamente difíceis. Estudando primeiro em Coimbra e posteriormente em Lisboa, foi-lhe concedida uma bolsa de estudos pelos Metodistas Americanos dois anos depois da sua chegada à Portugal.Cedo se embrenhou em actividades políticas e experimentou a prisão pela primeira vez em 1951, ao ser preso quando reunia assinaturas para a Conferência Mundial da Paz em Estocolmo.Retomando as actividades políticas após a sua libertação, Neto tornou-se representante da Juventude das colónias portuguesas junto de um movimento da juventude portuguesa, o MUD juvenil. E foi no decurso de um comício de estudantes a que assistiam operários e camponeses que a PIDE o prendeu pela segunda vez.Preso em Fevereiro de 1955, só veio a ser posto em liberdade em Junho de 1957.Por altura da sua prisão em 1955 veio ao lume um opúsculo com os seus poemas. Entretanto, certos poemas que descreviam as amargas condições de vida do Povo angolano e a fervente crença do poeta no futuro haviam já atravessado, anos antes, o muro de silêncio que Portugal erguera em torno da repressão que exercia sobre os democratas e dos crimes brutais que se perpetravam nas colónias.O caso da prisão do poeta angolano desencadeou uma vaga de protestos em grande escala. Realizaram-se encontros; escreveram-se cartas e enviaram-se petições assinadas por intelectuais franceses de primeiro plano, como Jean-Paul Sart, André Mauriac, Aragon e Simone de Beauvoir, pelo poeta cubano Nicolás Gullén e pelo pintor mexicano Diogo Rivera. Em 1957 foi eleito Prisioneiro Político do Ano pela Anistia Internacional. Em 10 de Dezembro de 1956 fundaram-se em Angola vários movimentos patrióticos para formar o MPLA, Movimento Popular para Libertação de Angola, o movimento que lançaria a luta armada do povo angolano contra um Portugal fascista e obstinado, cujas estruturas económicas e sociais eram demasiado obsoletas para permitir a aplicação das soluções neocolonialistas procuradas noutros lugares. Começando por se organizar nas áreas urbanas, entre os operários e intelectuais progressistas, o MPLA viria a mostrar em breve as suas notáveis flexibilidade e capacidade de adaptação às exigências do momento quando passou à luta armada, criando um exército do povo para conduzir uma guerra que o poeta viria a chefiar.Em 1958, Agostinho Neto doutorou-se em Medicina e, casou no próprio dia em que concluiu o curso. Nesse mesmo ano, foi um dos fundadores do clandestino Movimento Anticolonial (MAC), que reunia patriotas oriundos das diversas colónias portuguesas.


Poema: O CHORO DE ÁFRICA



O choro durante séculos
nos seus olhos traidores pela servidão dos homens
no desejo alimentado entre ambições de lufadas românticas
nos batuques choro de África
nos sorrisos choro de África
nos sarcasmos no trabalho choro de África

Sempre o choro mesmo na vossa alegria imortal
meu irmão Nguxi e amigo Mussunda
no círculo das violências
mesmo na magia poderosa da terra
e da vida jorrante das fontes e de toda a parte e de todas as almas
e das hemorragias dos ritmos das feridas de África

e mesmo na morte do sangue ao contato com o chão
mesmo no florir aromatizado da floresta
mesmo na folha
no fruto
na agilidade da zebra
na secura do deserto
na harmonia das correntes ou no sossego dos lagos
mesmo na beleza do trabalho construtivo dos homens

o choro de séculos
inventado na servidão
em historias de dramas negros almas brancas preguiças
e espíritos infantis de África
as mentiras choros verdadeiros nas suas bocas

o choro de séculos
onde a verdade violentada se estiola no circulo de ferro
da desonesta forca
sacrificadora dos corpos cadaverizados
inimiga da vida

fechada em estreitos cérebros de maquinas de contar
na violência
na violência
na violência

O choro de África é um sintoma

Nós temos em nossas mãos outras vidas e alegrias
desmentidas nos lamentos falsos de suas bocas - por nós!
E amor
e os olhos secos.

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